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29 de outubro de 2007

O Fábio (*)

O Fábio tem 14 anos e frequenta uma EB 2,3. Está no 9.º ano. É filho único. O pai trabalha numa serralharia, a mãe numa loja de pronto-a-vestir, e habitam num andar que a família está a pagar ao banco.
Há uns anos, quando o Fábio andava na primária, chegou a casa com uma lágrima no olho. A professora tinha-o repreendido severamente por não ter feito o trabalho de casa e tinha-lhe dito que se voltasse a acontecer lhe daria um puxão de orelhas. No dia seguinte, a mãe do Fábio foi à escola e disse à professora que não tinha nada que mandar fazer trabalhos em casa, que era na escola que se faziam os trabalhos, que era para isso que pagavam à professora e que se livrasse de tocar no Fábio: “Queixo-me logo à Inspecção!”
Foi remédio santo: a professora nunca mais insistiu com o Fábio para que fizesse os trabalhos. Aliás, passou a ter um extremo cuidado no tratamento com o Fábio.
No final desse ano o Fábio não tinha aprendido o suficiente, mas a professora passou-o. É que para além da imensa papelada necessária para justificar a reprovação de um aluno, ainda tinha medo que a mãe do Fábio lhe aparecesse na escola a pedir explicações.
E o Fábio foi para o Ciclo.
Como tinha muitas falhas ao nível da leitura e do vocabulário, o Fábio não compreendia a maior parte das coisas que os professores diziam nas aulas e estas passaram a ser difíceis de aguentar. “Uma seca, mãe!”. Ao fim de algum tempo, o Fábio passou a intervir nas aulas. Falava alto, interrompia e “mandava bocas” aos colegas. Além disso, só fazia o que queria. Certa vez, um professor mandou-o passar um apontamento do quadro para o caderno e o Fábio recusou-se: que não; que não lhe apetecia. O professor fez queixa e a directora de turma escreveu à mãe pedindo-lhe para vir à escola. A mãe disse que já estava habituada a estas coisas; o filho era um bom menino, muito inteligente, mas os professores não gostavam dele; perseguiam-no; já tinha sido assim na escola primária; muitas vezes eram outros que faziam as coisas mas a culpa ficava sempre com o Fábio; coitado.
No final do ano, o Fábio passou. Tinha passado a ser um aluno com “necessidades educativas especiais” e beneficiava de “especiais condições de avaliação”.
E assim continuou no ano seguinte e nos anos que se seguiram, embora o seu comportamento fosse cada vez mais desconforme e cada vez tivesse um nível de conhecimentos mais distante da maioria dos colegas.
Um dia faltou ao respeito a uma professora e abriram-lhe um processo disciplinar. Foi condenado a apanhar papéis do chão durante uma tarde, como “actividade de integração na comunidade”, mas a mãe indignou-se e não autorizou por ser uma tarefa que feria a sua personalidade.
No final do 7.º ano o Conselho de Turma recomendou a retenção do Fábio. Contudo, quando foi ouvida, a mãe discordou liminarmente, tendo acusado a escola de não saber motivar devidamente o Fábio, de não lhe ter dado o apoio a que tinha direito, e de agora o querer castigar separando-o dos colegas de sempre.
Entretanto, começou a acompanhar com dois miúdos que tinham atitudes parecidas. Tornou-se temido pelos colegas. Ninguém se atrevia a contrariá-lo. E ele, com os amigos, tudo “controlava” enquanto passeava pelos corredores e recreios, com as calças ao fundo do rabo e o boné virado para o lado, exibindo as sapatilhas de vinte contos. Foi então que travou conhecimento com outros miúdos e descobriu que tinha jeito para manusear a lata de spray. Iniciou nessa altura a actividade de “writer”, deixando assinaturas por toda a parte, nem sequer se intimidando perante o vetusto granito dos monumentos.
Por essa altura já o Fábio tinha a chave de casa e saía à noite, regularmente, para se encontrar com os amigos e deambular pela cidade, indo, de quando em vez, para casa de um deles, onde, com visível satisfação, mostrava no Hi5 as últimas miúdas que tinha fotografado com o telemóvel topo de gama, prenda da mãe por lhe ter prometido que não voltaria a faltar às aulas.
Sim, porque o Fábio, embora gostasse de ir à escola, detestava ir às aulas. Por isso ia poucas vezes e, quando ia, acabava por ser posto na rua.
Mas o Fábio é esperto e informado. Até já disse em casa, no intervalo dos “Morangos”, que as faltas não contam e que vai passar de ano porque está dentro da escolaridade obrigatória.
Bem lá no fundo, o Fábio, que é realmente esperto, sabe que no final deste ano terá que fazer exames a Português e a Matemática e que não terá possibilidade de passar para o 10.º. Por isso já pensou numa solução: para o ano irá ingressar num CEF. Assim evitará os exames e poderá continuar na escola num curso profissional. Não que esteja interessado em algum dos cursos que há na Secundária. Não está. Serve qualquer um. "Logo se verá". O futuro está garantido!
...

Agora, querendo, escreva mais três ou quatro linhas.
Vamos ver o que acontece ao Fábio!

(*) Nome absolutamente fitício e sem qualquer significado, claro está.

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